“O turismo pode atingir em 2023 os níveis de 2019"

“O turismo pode atingir em 2023 os níveis de 2019"

Francisco Calheiros, Presidente da CTP, em entrevista ao Expresso

O turismo deverá ficar em 2022 cerca de 23% abaixo dos níveis pré-pandemia, resultados “claramente melhores” do que os de 2021 em que a quebra atingiu 42%, segundo projecções avançadas pelo presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP). Temas essenciais para o sector como apoios às empresas, protocolos com países terceiros para conseguir mão de obra ou 0 novo aeroporto de Lisboa estão pendentes do resultado das eleições, das quais Francisco Calheiros espera que saia um “Governo da Economia” e que dê estabilidade a quatro anos.

 

Estamos em vésperas de eleições. O que espera o sector do turismo do novo Governo? 

Vamos esperar serenamente pelos resultados e ver que tipo de Governo vai sair. Aparentemente, e segundo as sondagens, nenhum partido sozinho tem maioria possível. O que a Confederação do Turismo espera vivamente é que saia um Governo para quatro anos e que dê estabilidade. Essa é a palavra-chave do que mais precisamos de momento, porque a vacina mais eficaz para evitar uma crise é a estabilidade. Nos últimos anos tivemos o Governo da Saúde, antes tivemos o Governo das Finanças com a intervenção da troika, e desta vez era fundamental que tivéssemos o Governo da Economia, das empresas e do crescimento económico. A Economia tem de passar a estar omnipresente no Conselho de Ministros. 

 

Não teme que continuem pendurados dossiês importantes para o turismo, como o novo aeroporto de Lisboa?

Temos de esperar os resultados e ver que tipo de fórmula haverá, o que queremos é que este Governo tenha a mais ampla representação possível para encetar as reformas estruturais de que o país precisa e conduzir ao crescimento económico. Logo que haja um Governo eleito vamos começar a trabalhar nos vários dossiês, que são muitos, mas precisamos de saber primeiro quem vai ser o ministro da Economia, o secretário de Estado do Turismo e o presidente do Turismo de Portugal, que são os nossos dialogantes do lado público. O tema do novo aeroporto é muitíssimo importante, a questão já se punha em 2019 quando estava a rebentar pelas costuras. Não há obras de melhoramento possíveis na Portela que a tornem apta a ter mais 10%, 20% ou 30% de voos. Como é uma infraestrutura que demora muito a construir, temos aqui um constrangimento enorme para o crescimento do turismo. O caderno de encargos para os vários estudos decididos, mas ainda não adjudicados, fala de um ano e meio para os realizar. Num mundo ideal, se fosse encomendado logo que o novo Governo tomasse posse, teríamos o estudo em julho de 2023 e o aeroporto, na melhor das hipóteses, em 2027. A pergunta é clara: como vamos conseguir crescer até 2027? A não decisão sobre o aeroporto não tem impacto só no turismo, é completamente inibidora do crescimento económico do país. Todos devíamos ter vergonha com o que se passa com o aeroporto, o adiamento desta decisão tem 50 anos. A direção da Confederação do Turismo de Portugal vai fazer um estudo, que está na fase final de identificar quem será a consultora responsável, para medir o impacto económico para o país do adiamento constante do aeroporto, a cada ano que passa. 

 

Que medidas vai a CTP apresentar ao próximo Governo? 

Um primeiro ponto vital tem a ver com as medidas de apoio às empresas, e dentro delas as medidas de capitalização. Neste momento os empresários de turismo estão numa situação difícil, a andar num arame e sem rede por baixo. O Governo no início desta pandemia esteve bem, as medidas que pôs cá fora foram ajustadas, bem pensadas, e houve algumas específicas para o sector geridas pelo Turismo de Portugal. Sem esquecer que as empresas em março de 2020 estavam extraordinariamente saudáveis do ponto de vista financeiro, após três anos fortes para o turismo. Mas isso foi no início da pandemia. De momento a tesouraria das empresas está completamente esgotada — lembro ainda que medidas de capitalização que estão há muitos meses no papel e que vinham do Plano Reativar o Turismo (PRT) tinham uma dotação de €6 mil milhões, dos quais €4 mil milhões eram para as empresas, e até agora, nem vê-los. É de facto uma prioridade e a primeira medida que queremos analisar com o Governo: o apoio às empresas. Um ponto positivo veio do encontro que tivemos com o secretário-geral do PS, António Costa, que adiantou haver orçamento para isso, e inclusive que o programa Apoiar.pt seria novamente ativado, caso fosse eleito para o Governo. 

 

Que resultados prevê para o turismo em 2022? 

Tivemos mais de 60% de quebra em 2020, que em 2021 ficou em 42% e a projeção que a Confederação do Turismo tem para 2022 é claramente melhor, uma quebra de 22% a 23% em relação a 2019. Admitindo que esta pandemia se está a tornar uma endemia, chamemos-lhe uma ‘nova gripe’, com alguma segurança podemos dizer que em 2023 estaremos em condições de voltar aos números de 2019. Mas estas projeções dependem da forma como os canais de distribuição vão ser abertos, ou não, e que sejam abolidas as restrições que existem hoje, pois 70% dos nossos turistas são internacionais. Poderemos até ter de atualizar estes números, porque a informação que tenho é que janeiro e fevereiro vão correr menos bem do que se esperava, tal como o fim do ano poderia ter sido melhor e acabou por não ser. O turismo precisa bastante de planeamento, e neste sentido a Direção-Geral da Saúde não tem ajudado: toma medidas precipitadas, erráticas, incoerentes e em cima da hora. Um hotel para preparar o fim de ano tem de ter stocks à séria para centenas de pessoas, e de repente só se podia ir com teste, todos os dias mudavam tudo, em Lisboa era uma coisa e no Porto era outra. Isto não pode ser, as medidas têm de ser o contrário: claras, que toda a gente entenda e tomadas atempadamente. Fomos muito atingidos pelas medidas em cima da hora. 

 

A falta de mão de obra continua a ser premente no sector? 

O problema já era muito acentuado em 2019, e agravou-se com a pandemia, houve muitos profissionais de turismo que foram para a construção ou outros sectores menos penalizados. Agora que estamos a repor os níveis, à medida que o tempo passa e os resultados do turismo são melhores, mais este problema se vai agudizar. Há que fazer aqui uma série de ações, e a primeira é que os empresários têm de criar condições mais atrativas, sejam remuneratórias ou de progressão na carreira, a par de formação atualizada. E vamos ter de resolver isto através de imigração. Apesar de sermos só dez milhões, temos a sorte de haver centenas de milhões que falam a nossa língua. Nas últimas reuniões em sede de concertação social, um dos temas que estavam em cima da mesa com o Ministério dos Negócios Estrangeiros era estabelecer protocolos com os PALOP, o Brasil e a índia para facilitar a integração destes imigrantes, que para poderem vir têm de ter condições aligeiradas para tratar de vistos, de residência, etc. Isso estava a ser estudado, porque nós em Portugal precisamos de imigrantes neste momento. Estamos próximos do pleno emprego, apenas com 6% de taxa de desemprego, temos muitas dezenas de milhares de pessoas em falta, não só no turismo, mas na construção ou na agricultura, e é um dos temas para o qual o próximo Governo tem mesmo de olhar. Esse será com certeza um dos primeiros pontos a tratar pela concertação social, que tem estado interrompida até haver novo Governo.

 

O que é que o turismo espera da TAP, depois do plano aprovado por Bruxelas? 

Desejamos a melhor sorte à administração da TAP e que esta reestruturação seja um sucesso. Pois a TAP é extraordinariamente importante para o nosso turismo, e esperamos que volte, o mais rapidamente possível, às rotas que vinha a desenvolver. Sem turismo, não há balança comercial que resista, não nos podemos esquecer disso. E o problema de Portugal é que tem estado praticamente estagnado, vemos antigos países de Leste a ultrapassarem-nos. Precisamos de começar um período de crescimento económico acentuado para sair deste marasmo em que estamos desde os últimos 20 anos, praticamente sem crescimento. E o pior vírus de todos é o da estagnação económica e social. Os fundos comunitários são outra das nossas batalhas, temos de momento o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), vulgo ‘bazuca’, e tendo o turismo apresentado atempadamente a sua agenda é preciso assegurar um envelope financeiro que seja no mínimo compaginável com o peso que tem na economia, coisa que não tem acontecido no passado. O turismo foi de facto o motor da economia antes desta pandemia, queremos muito que continue a sê-lo — e vai voltar a ser, não tenho a menor dúvida. 

28 Janeiro 2022